segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Povoado Peixe Cru













Prof.Eduardo José Cordeiro.

O antigo Povoado de Peixe Cru situava-se em um fundo de vale na margem direita do rio Jequitinhonha, na baixa vertente próximo à planície de inundação, que apresentava solo úmido e clima mais ameno.
 Porque Peixe Cru? Acredita-se que este nome foi atribuído a esta comunidade pelo fato de estar a Antiga Comunidade instalada às margens do Rio Jequitinhonha; e de lá extraíam partes de seus alimentos: o peixe. E os habitantes do lugarejo alimentavam-se muitas vezes de peixes cru, apresentando, no entanto traços de costumes indígenas.
Comunidade localizava-se no município de Turmalina e distava cerca de 50 km da sede, sendo que em 17 km não havia qualquer tipo de pavimentação.
Era um espaço geográfico que apresentava altos e baixos relevos; com mata virgem aos arredores; à margem do Rio Jequitinhonha. Era um pequeno sítio com assentamento de algumas casas simples, construídas de adobe, telhado com telhas de barro cozido, e madeira retirada da mata.

Afirma ainda Paulo Sérgio Ferreira Costa:

“O sítio da comunidade apresentava solo úmido, com vegetação típica de Cerrado com algumas matas densas e presença de muitas árvores frutíferas próximas ao rio. Lá havia 29 imóveis residenciais que abrigavam (19) famílias e (81) moradores (CEMIG, 2005). Havia uma escola municipal, um posto de saúde, um posto telefônico, uma associação comunitária, uma creche, uma igreja católica, uma evangélica e dois estabelecimentos comerciais. As casas foram construídas na baixa vertente, eram rústicas e simples, algumas delas estruturadas em madeira com vedação em alvenaria, mas também apresentavam outros materiais como bambu, pedras e pau-a-pique.”[1]

  Em relação à história do vilarejo, não foi encontrado nenhum registro oficial sobre sua origem. De acordo com Santos (2007, p.8) no século XVIII e em parte do seguinte, o território integrava o termo de Minas Novas, sediado na Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas do Araçuaí. Santos acrescenta que há registros que confirmam a existência de um porto na margem direita do rio Jequitinhonha, em um caminho que ligava Minas Novas a Itacambira, único acesso que conectava as regiões mineradoras do Vale do rio Araçuaí ao vale do rio Itacambiruçu, ambos afluentes do rio.
Segundo Dona Maria Muniz, uma das moradoras mais antigas do vilarejo, o primeiro morador da comunidade foi o tropeiro Manuel Nunes Folgado que por lá teria chegado por volta de 1830. De acordo com os moradores o pequeno lugarejo desenvolveu-se a partir da mineração e da agricultura de subsistência, que até o período de deslocamento compulsório pelo reservatório de Irapé, ainda se constituíam como as principais fontes de renda da população.
 Em 1840 o arraial da Piedade foi elevado à condição de distrito, pertencente ao município de Minas Novas. Sua denominação foi alterada para Turmalina em 1923, vindo depois sob esse nome a ganhar a autonomia de município em 1948. Com área de 1685 km2 compreende hoje a sede e o distrito de Caçaratiba e vários povoados entre os quais o de Peixe Cru.
 A antiga Peixe Cru foi um acentuado caracterizado pelo ruralismo da paisagem, foi desde o período colonial, uma das marcas da ocupação humana dessa região.[2] Localizada num espaço econômicos coloniais, num território fronteiriço cuja jurisdição político-administrativa oscilou entre as capitanias das Minas Gerais e da Bahia, representou também essa região conforme informações orais zona de fuga para quilombolas e índios fugidos à perseguição luso-brasileira.[3]
 A antiga comunidade era constituída de uma Capela em um espaço geográfico mais elevado, edificada por grandes adobes, rebocado de barro, coberta de telhas de barro cozido, protegida por portas de madeira e ao arredor casebre também construídos com as mesmas matérias; foram edificado, formando desta maneira um pequeno lugarejo, simples e pobre de matéria, porém fartos em expressões culturais.
Esta comunidade foi construída com a participação dos seus habitantes. A Capela embora tenha sido desejo de um dos primeiros habitantes, foi edificada com o auxilio de homens e mulheres que iam assentando nesta comunidade.
             Esta antiga comunidade de Peixe Cru apresentava fortes traços culturais próprios, como celebração e festas anuais, dentre elas: Festas Juninas, Festa do Senhor Bom Jesus, e algumas cantigas características da comunidade. Estas festas estão ligadas ao calendário religioso católico e ao calendário agrícola da região e faziam parte da vida dos moradores do povoado.[4]
 As festividades se davam na praça ou em local próprio como na capela do Senhor Bom Jesus, devotadas a um santo específico. Em geral, as festas apresentavam a configuração de uma procissão, seguida com cantos, rezas, e, ao final, leilão, comes e bebes.
Além dos eventos religiosos, a comunidade de Peixe Cru também celebrava em ocasiões de colheita, comemorava dançando algumas danças típicas como o “Vilão” e costumava cantar algumas cantigas próprias que eram transmitidas de geração para geração. Estes aspectos culturais característicos do antigo Peixe Cru formavam parte de seu Patrimônio Imaterial, extremamente rico e com características particulares de uma comunidade ligada à terra, seja pelo cultivo, pelo extrativismo ou às raízes cristãs.[5]
Já afirmava o um artigo da Revista de História da Biblioteca Nacional: “O Vale do Jequitinhonha está um pouco menor. Uma das regiões mais ricas da cultura mineira viu sumirem por completo, em 2006, mais de 40 comunidades sob a represa da hidrelétrica de Irapé.” [6]
Para quem dependia do Rio Jequitinhonha para sobreviver, a mudança foi dramático. “A relação deles com o rio era muito intensa. Dele retiravam o alimento, nele exploravam o garimpo, lavavam suas roupas. Depois de expulsos e reassentados, tiveram que se virar do jeito que dava. Muitos acabaram na beira da estrada ou trabalhando nas plantações de eucaliptos”, lamenta Cris. As vilas construídas pela Cemig também não estavam preparadas para receber toda aquela gente e, no desespero, muitos chegaram a destruir suas novas casas e revender o material para sobreviver.[7]

PEIXE CRU E A UHE DE IRAPÉ:         

A Usina Hidrelétrica (UHE) de Irapé, cujo nome oficial é Usina Presidente Juscelino Kubitscheck, está localizada no Médio Jequitinhonha, região nordeste de Minas Gerais, no Rio Jequitinhonha e seu afluente, o Itacambiruçu, nas coordenadas 16° 44’ 19” de Latitude Sul e 42° 34’ 30” de Longitude Oeste. O paredão da barragem possui 208 metros de altura, considerado o mais elevado do Brasil, o potencial de geração de energia da usina é de 360 MW. Seu reservatório ocupou 137 km² de áreas rurais de 07 municípios: Boturirim, Cristália e Grão Mogol, na margem esquerda; Berilo, José Gonçalves de Minas, Leme do Prado e Turmalina, na margem direita do Rio Jequitinhonha.
 De acordo com a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), em 2005, cerca de 5.000 pessoas de 47 comunidades rurais foram atingidas diretamente pelo reservatório e remanejadas para outros espaços, a maioria em terrenos topograficamente mais elevados.
Apesar de o empreendimento ter provocado impactos em 47 comunidades, este processo aborda especificamente a comunidade de Peixe Cru, uma das comunidades mais atingidas pelo reservatório e que foi totalmente remanejada de seu espaço de origem. Vale ressaltar que apenas Peixe Cru e Porto Coris se constituíam como povoados, ou seja, eram organizados em torno de um núcleo na época do remanejamento.
A Nova Comunidade de Peixe Cru foi reconstruída, de maneira que mantivesse fidedignos alguns traços da antiga comunidade; mas o que ficou de fato idêntico à antiga Comunidade foi somente a Capela, sendo o resto construído com materiais do século XXI: Cimento, areia, blocos, telhas coloniais; as ruas foram construídas em um espaço plano e todas cobertas de bloquetes, com jardins dividindo a avenida central que vai em direção à Capela edificada em um terreno um pouco mais elevado.

As construções ficaram dispostas mais ou menos como no povoado de origem, de forma a se resguardar, também, as relações de vizinhança existentes.[8]

  O Novo Peixe Cru assumiu feições notadamente urbanas e muito diferentes do povoado original. O antigo povoado, apesar de ser organizado ao redor de um núcleo, apresentava características notadamente rurais, era bastante arborizado, propiciando sombreamento nas casas, havia diversas plantações nos quintais, chácaras formadas, ruas gramadas e, ao fundo, o rio Jequitinhonha se destacava singularmente na paisagem. Já o Novo Peixe Cru apresenta morfologia urbana, com ruas calçadas, praça com coreto, traçado das ruas bem definido, piscina para as crianças como forma de substituir o rio, topografia totalmente plana e casas novas de alvenaria com telhas e janelas coloniais, todas elas cercadas por muros.
 Em Novo Peixe Cru há uma escola de nível fundamental que recebe alunos das quatro séries iniciais e uma creche para atender a demanda do ensino infantil. Ambas pertencem à Prefeitura Municipal de Turmalina. Há também na localidade um posto de saúde com profissionais que atende constantemente, uma associação de moradores com 54 membros, um posto telefônico, um orelhão e uma Igreja Católica que manteve o mesmo nome da que existia no Antigo Peixe Cru, Capela de Bom Jesus do Peixe Cru.
 Houve uma tentativa da CEMIG de preservar este patrimônio material mantendo a arquitetura original e o material utilizado na antiga igreja, como telhas, adobe, marcos, portas, vigas, etc. Mas, muito da capela antiga se perdeu, como o altar, os bancos que foram substituídos por outros mais novos e segundo alguns moradores, mais confortáveis. De acordo com os moradores,
eles pediram que esta capela fosse construída em destaque ao fundo do povoado como era no antigo Peixe Cru.[9]
  No que se refere à imaterialidade, esta permaneceu viva nos moradores e suas posteridades; a religiosidade; o convívio com os vizinhos; o trabalho e a relação mútua. Restou também saudade do antigo lugar e resquício de mágoas de alguns moradores mais antigos, que não concordavam em ter sido retirados do Antigo Peixe Cru.
  Em Julho de 2007, a comunidade era composta por 127 habitantes em 38 residências com três quartos, sala, copa, cozinha, banheiro e quintal. As casas foram todas entregues nas últimas etapas de acabamento. Toda família que possuía filhos casados ou maiores de 18 anos receberam uma nova casa para morar, nos mesmos moldes das demais e 10 ha de terra para plantio.[10]

O novo povoado de Peixe Cru, denominado de “Novo Peixe Cru”, está situado em uma chapada, com topografia predominantemente plana, entre os dois principais rios da região, o Jequitinhonha a oeste e o Araçuaí a leste. A área está inserida no domínio geológico da Serra do Espinhaço, sobre o embasamento quartzítico (IBGE). O solo é formado por latossolo vermelho-escuro, geralmente de baixa fertilidade, necessitando, entretanto, de corretivos na medida em que seu uso tem sido intenso devido ao cultivo do eucalipto (Sistema Brasileiro de Classificação de Solos). A vegetação nativa da área que era de cerrado foi substituída pela monocultura do eucalipto, planta introduzida na região do vale do Jequitinhonha na década de 1970 pelas empresas de reflorestamento. O clima de Turmalina é tropical semi-úmido a semi-árido, justamente por haver a tendência a um período seco de maior duração, às vezes com mais de seis meses seguidos sem chuva (Prefeitura Municipal de Turmalina, 2008).[11]

    Uma parcela significativa dos moradores disse estar insatisfeitos com o novo povoado, pois, segundo eles o Antigo Peixe Crú era melhor para se viver, a terra era mais produtiva, o clima mais ameno, além da proximidade do rio Jequitinhonha, onde eles praticavam atividades como a pesca e o garimpo quando não estavam envolvidos com a agricultura. Também utilizavam o rio para lavar roupas e se banharem.[12]
   Um ex-morador do Antigo Peixe Cru, Egnaldo Muniz, neto de Maria Muniz moradora do atual Peixe Cru, proferiu:


“todos nós temos o nosso lugar e sabemos onde ele fica. Sempre, desde quando nascemos. Quantas vezes já lhe perguntaram: de onde você é? Você já sabe logo responder, pois é o lugar onde você nasceu. Foi e será sempre o seu primeiro lugar. Você pode morar a centenas de quilômetros daquele lugar, mas ele está lá, é o seu lugar e você pode voltar para vê-lo sempre que quiser... Eu não posso mais.” [13]



  Para Ismael Gato, presidente da Associação de Moradores da Nova Peixe Cru, a qualidade de vida dos moradores melhorou muito. “A distância entre a comunidade e a sede do município ficou menor. Isso facilita muito, principalmente quando alguém precisa de um socorro médico”. Outro fator importante foi uma obra do PROACESSO - O asfaltamento da MG – 114, que melhorou ainda mais o intercambio entre a comunidade e a sede do município. [14]   





[1] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÊRIO VISÃES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.

[2] http://portal.cnm.org.br - Turmalina – MG – Hidrelétrica de Irapé – 25/10/2010-13h42min.
[3]  http://www.irape.com.br- Usina de Irapé/Cemig – 25/10/2010 – 24h00min
[4] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÀRIO VISÕES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.
[5] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÊRIO VISÃES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.
[6] http://www.revistadehistoria.com – Sumidouro da Memória (01/04/2008) – Visitado: 26/10/2010 – 13h25min.
[7] http://www.revistadehistoria.com – Sumidouro da Memória (01/04/2008) – Visitado: 26/10/2010 – 13h25min.
[8] http://www.irape.com.br – Peixe Cru – 25/10/2010 – 13h00min

[9] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÊRIO VISÃES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.

[10] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÊRIO VISÃES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.

[11] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÊRIO VISÃES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.
[12] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÊRIO VISÃES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.
[13] http://webcache.googleusercontent.com – Artigo: SEMINÊRIO VISÃES DO VALE 4 Programa Pólo de Integração da U FM G no Vale do Jequitinhonha Belo Horizonte – 07 e 08 de maio 2009 IMPACTOS SÓCIO-CULTURAIS PROVOCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA UHE DE IRAPÉ EM Peixe Cru -TURMALINA – MG -  Paulo Sérgio Ferreira Costa.
[14] http://cidadefmturmalina.blogspot.com – Comunidade Nova de Peixe Cru – 25/10/2010 – 13h16min

2 comentários:

  1. Indiscutível !!!!


    Semsombras de dúvidas o coquetel de cultura mais delicioso do ano !

    Virei fã , frequentador acíduo !!!


    Parabéns Eduardo ....


    Tomara que Inteligência Pegue !!!!!

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  2. Nossas fortes e vivas em nossas memorias.!!

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